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Foto do escritorNatalia Sofia

° Sebo °

Para, aquela que é uma peça e faz dos meus dias mais leves e suportáveis

Seremos amigas até viramos somente pó (e então mais um pouco)



Ir no sebo… sempre soube que seria mágico e incrível, mas aquilo… aquilo foi diferente

Subi uma pequena rampa e o cantar de São Paulo cessou, poderia jurar que ouvi um bater de pequenas asas.

O carinha que nos recebeu me observou e sorriu, e apesar de ser sincero eu sabia que era uma estranha em seu santuário.

Muitas e muitas, mas muitas estantes, e logo no início da jornada avistei ¹um cantinho seguro, era um enorme campo de tulipas roxas, sua brisa era tão, tão leve e de uma forma que eu não sabia explicar, extremamente familiar. Aquele lugar me fazia acreditar que podia voar.

Logo eu e minha fiel escudeira tomamos o caminho a frente para desbravar os mistérios do tal bater de asas que vinham das prateleiras, carregadas dos fartos banquetes que cessam a miséria da alma. Era muito peculiar porque nas primeiras prateleiras era algo organizado e correspondente, 1, 2… 1, 2… Mas a medida que continuávamos andando foi ficando mais irregular, até que parou por completo shiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii, apenas nós e um vácuo enorme de puro oxigênio, mas agora lembrando-me sobre aquela parte da aventura me recordo de algo que parecia uma ponte, era feita de madeira velha e era um tanto instável, mas guardava uma parte colorida do vale, um arco-íris que brilhava tanto do outro lado que nos persuadiu a ir investigar. Uma escolha e tanto, gangorras, escorregadores… aquele era o playground mais divertido e colorido que já tinha visto, e o bater de asas, ah o bater de asas. Haviam fadas por todos os lados, elas conversavam e riam, cantavam e carregavam pequenas sacolas com livros dentro. Logo descobrimos que o lobo mau adora escorregadores, os três porquinhos estavam brincando de pega pega e a chapéuzinho estava aconchegada no colo da vovózinha escutando a história da princesa perdida que tomou coragem e desceu da torre para ver as luzes flutuantes. A Mônica estava furiosa mas decidiu tomar um picolé com a Magali, o Cebolinha estava cansado mas tinha um sorriso de orelha a orelha enquanto observava o Sansão ao seu lado, o cascão… estava tirando uma soneca na sombra de uma enorme sakura. Eu teria ficado ali o resto do dia, observando aqueles que discretamente me ensinaram os valores que carrego hoje, mas escutei ao longe o chamado de minha escudeira.

Chegamos a uma parte do vale que sinceramente me confundiu, era estranho, estávamos no centro de milhares e milhares de caminhos, olhei para a esquerda e avistei a Torre Eiffel; à direita estava a Grande Muralha da China; à frente as cachoeiras de Zimbabwe; e muitos outros lugares que não sei nem o nome. Vimos uma caixa aberta ao lado de um dos caminhos, dentro dela encontramos milhares de papéis dobrados, peguei um e, descobri o número telefônico de um tal de Maurício.

Avistamos uma enorme subida e logo descobrimos estar no cume do vale. Aqui vimos as belezas da arte humana e da natureza, cores e cores misturadas com sentimentos e significados que nem sonhamos em descobrir a origem.

Aqui as prateleiras foram ficando discretamente douradas e os volumes eram uma mistura de filosofia, aventura, romance, artesanato e as 100 melhores receitas francesas. Uma parte considerável da aventura me arrepiou os pelos e desnorteou meus sentidos e palpites cegos, Agatha Christie.

Haviam livros que ensinavam sobre a arte de amar e o amor; ensinavam cinco línguas diferentes. E aquele livro... o mais obscuro dos volumes, nem as sombras cheias de dúvidas e mistérios de Agatha me deram tanto medo quanto o volume de matemática básica, jurei a mim mesma não ter medo mas sei que não voltarei àquele canto do vale tão cedo.

Depois de uma caminhada carregada de informações das mais aleatórias que eu podia imaginar chegamos ao cantinho aconchegante, humm, esquenta o coração, minhas, suas, nossas poesias, aqueles pequeninos livros que pesam toneladas de episódios da vida humana, ou até mesmo aqueles um pouco maiores que me remetem minha família e contam sobre tudo e qualquer coisa, que comentam sem comentar, e opinam sem opinar, contam a vida e supõem a morte, narram um almoço e como não aconteceu um almoço. Crônicas, belas crônicas que me trouxeram a essa narrativa e me reencontraram, Cônicas que me disseram que sebos podem sim ser uma selva vasta e cheia de fadas, Crônicas que me trouxeram de volta a uma parte da minha mente que se esqueceu como é chorar.

Aposto que sou uma alma peculiar, nada me encanta mais do que coisas há muito inventadas, as árvores que são árvores a muito mais tempo que eu sou eu. Vinis que são vinis a muito mais tempo que minhas memórias são memórias. Cartas que são cartas a muito mais tempo do que quando meu primeiro beijo foi meu primeiro beijo. Sentimentos que são sentimentos a muito mais tempo do que eu levaria para desvendá-los.


Devo tal aventura ao Messias que eu não sei quem é mas sei que tem o sebo dos sonhos (sebo do Messias desde 1970), que ficará para sempre gravado em minhas memórias como o vale sem fim

E devo tal paixão a minha fiel escudeira, Mãe, querida mãe, sou grata por fazer da minha pessoa uma tremenda apreciadora de livros e histórias, pessoas e vidas, a beleza das coisas boas e o aprendizado (e textos) que as coisas ruins proporcionam!



“Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de livraria.”


Jorge Luis Borges-

Sebo do Messias: https://sebodomessias.com.br/

¹Menção ao livro Corte de espinhos e rosas (livro predileto da autora)




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